Dra. Flávia é advogada especialista em Direito Médico e da Saúde
Abril chegou e, com ele, o azul tinge prédios, laços e corações em um gesto que vai muito além da simbologia. O mĂȘs é dedicado à conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), e vestir azul é um chamado à empatia, à escuta e, acima de tudo, à ação. A data central, 2 de abril, foi instituĂda pela ONU como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo e representa um convite global a enxergar, respeitar e acolher as mĂșltiplas formas de existĂȘncia que compõem o espectro autista.
A escolha da cor azul tem origem na antiga percepção de que o autismo era mais comum em meninos. Hoje, essa cor se transforma em sĂmbolo de uma luta que abrange todas as identidades e idades, refletindo a diversidade e a beleza de cada pessoa autista. Mais do que uma campanha, o Abril Azul é um movimento de reconhecimento e valorização da neurodiversidade, onde cada indivĂduo é um universo particular, com suas próprias formas de sentir, comunicar, perceber e interagir com o mundo.
Falar sobre autismo é, antes de tudo, compreender que ele não se manifesta de uma Ășnica forma. O espectro é amplo, e dentro dele encontramos desde pessoas com autonomia plena até aquelas que precisam de apoio intensivo em todas as ĂĄreas da vida. Algumas tĂȘm uma sensibilidade aguçada a sons, luzes ou texturas, outras se comunicam de maneiras não convencionais, e muitas apresentam interesses especĂficos e intensos que revelam talentos Ășnicos. Cada uma dessas caracterĂsticas merece ser acolhida com respeito, e não moldada a padrões rĂgidos de normalidade.
O diagnóstico, seja ele realizado na infância, como um farol que guia para o suporte adequado, ou na vida adulta, como uma chave que desvenda um passado de experiĂȘncias Ășnicas, é sempre um passo fundamental. Para muitos, a descoberta tardia pode ser um momento de profunda clareza, onde as peças do quebra-cabeça da vida finalmente se encaixam.
Nessa jornada de autoconhecimento e busca por bem-estar, é imprescindĂvel conhecer e reivindicar os direitos que amparam as pessoas com TEA. A legislação brasileira tem trilhado um caminho importante nessa direção, e a Lei Berenice Piana se destaca como um marco legal que equipara a pessoa com TEA à pessoa com deficiĂȘncia, garantindo uma série de proteções essenciais. Entre os pilares desses direitos, encontramos:
O direito fundamental ao diagnóstico precoce e ao tratamento multiprofissional oferecido gratuitamente pelo Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), assegurando um inĂcio de jornada com o apoio necessĂĄrio para o desenvolvimento.
A garantia de uma educação inclusiva de qualidade, que pressupõe o direito a apoio especializado e adaptações pedagógicas nas escolas regulares, para que o aprendizado seja acessĂvel a todas as mentes, independentemente de suas particularidades.
O direito ao atendimento prioritĂĄrio em todos os estabelecimentos pĂșblicos e privados, reconhecendo as necessidades especĂficas e facilitando o acesso a serviços essenciais, com a possibilidade de emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CIPTEA).
A possibilidade de contar com um acompanhante terapĂȘutico no ambiente escolar, quando a presença desse profissional se mostra indispensĂĄvel para promover a inclusão e o desenvolvimento do estudante.
O acesso ao BenefĂcio de Prestação Continuada (BPC/LOAS), um suporte financeiro crucial para famĂlias de baixa renda que dedicam seus cuidados a um membro com autismo.
A isenção de impostos na aquisição de veĂculos, em situações especĂficas, visando facilitar a mobilidade e a autonomia.
A cobertura obrigatória de terapias como a AnĂĄlise do Comportamento Aplicada (ABA), fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional pelos planos de saĂșde, um direito assegurado pela AgĂȘncia Nacional de SaĂșde Suplementar (ANS) e pelo Poder JudiciĂĄrio.
O apoio e as polĂticas de inclusão no mercado de trabalho, com a possibilidade de reserva de vagas e adaptações razoĂĄveis que promovam a autonomia profissional e a valorização dos talentos individuais.
A garantia de acessibilidade em sua forma mais ampla, quebrando barreiras não apenas fĂsicas, mas também comunicacionais, sensoriais e, fundamentalmente, atitudinais.
No entanto, o caminho para a garantia plena dos direitos ainda guarda seus desafios. Corações de famĂlias muitas vezes se apertam diante de portas fechadas em escolas, negativas que ferem a esperança nos planos de saĂșde, a falta sentida de profissionais com olhar especializado e a luta, por vezes exaustiva, para acessar o apoio social que é de direito. É nesse ponto sensĂvel que a mão amiga da orientação jurĂdica se torna essencial. Ter ao lado um advogado que entende a delicadeza do Direito Médico, da SaĂșde e dos Direitos da Pessoa com DeficiĂȘncia não é apenas buscar o cumprimento da lei, mas sim garantir que o respeito floresça e a dignidade seja um escudo protetor. Esse profissional, com sua sensibilidade e conhecimento, atua como um farol, guiando tanto na jornada judicial quanto na prevenção de obstĂĄculos, para que cada direito deixe de ser uma promessa distante e se torne uma realidade palpĂĄvel.
Abril Azul, assim, pulsa com um significado que transcende um mĂȘs no calendĂĄrio. É um convite amoroso para transformar a informação em um abraço de empatia, a empatia em ações que constroem pontes, e as ações em uma justiça que acolhe e transforma. É um tempo precioso para sintonizar com as vozes autistas – tantas vezes silenciadas pela falta de compreensão – e gravar em nossos corações que inclusão não é um favor, mas um direito inalienĂĄvel. Cada forma de ser e de habitar este mundo merece ser vista com carinho, respeitada em sua essĂȘncia e protegida com todas as forças.
Celebrar o Abril Azul é, com ternura, renovar nosso pacto com um mundo onde as diferenças não nos separam, mas nos aproximam em um laço de humanidade. Um mundo onde ninguém precise trilhar sozinho a jornada em busca de compreensão ou lutar bravamente pelo que lhe pertence por direito. Porque quando semeamos a justiça, colhemos a proteção de vidas – e é esse poder transformador que reside no coração da justiça.
Conscientizar é, em sua essĂȘncia mais pura, um ato de amor e inclusão que brota do nosso ser mais profundo. É escutar com o coração aberto as vozes Ășnicas das pessoas autistas, valorizar a beleza de suas perspectivas e unir nossos esforços para que os direitos conquistados se tornem o alicerce sólido de uma vida digna, plena de oportunidades e de reconhecimento. Que neste Abril Azul, e em todos os dias que o seguem, possamos tecer laços de profunda empatia, desconstruir com delicadeza os estigmas do capacitismo e construir, juntos, um futuro onde a inclusão seja a nossa mais radiante e eterna realidade. Afinal, o autismo é apenas uma das infinitas maneiras de colorir o nosso mundo, e cada tonalidade merece o nosso mais sincero respeito e a garantia incondicional de seus direitos.
Fonte: Acervo da autora